Você conhece o Centro Histórico de João Pessoa?

A cidade de João Pessoa que conhecemos hoje nem sempre teve esse nome. Fundada pela Coroa Portuguesa, em 1585, como cidade de Nossa Senhora das Neves, partiu de um interesse colonial de garantir a posse do território habitado por indígenas e ameaçado pela presença de franceses. Com a união das coroas ibéricas, a cidade foi denominada Filipéia de Nossa Senhora das Neves, em homenagem ao Rei Felipe II da Espanha. Durante a ocupação holandesa, entre 1634 e 1654, passou a ser chamada Frederica, devido ao Príncipe neerlandês Frederico de Orange (Figura 1), e, após a retirada dos batavos, ganhou o nome de Parahyba do Norte. Só quase três séculos depois, na década de 1930, a cidade recebe o nome que preserva até os dias atuais: João Pessoa.

Figura 1. Gravura representando a Frederica, em 1634, de autoria de Jan Van Broterhuisen. Fonte: REIS FILHO, 2000

Seguindo uma prática de povoamento tradicional adotada no império português, a cidade foi fundada em uma planície alta, próxima a um curso d’água, o Rio Sanhauá, que lhe servia de porto. A princípio detinha uma função administrativa, defensiva e de escoamento da produção dos engenhos de açúcar situados na várzea do Rio Paraíba. Dessa forma, embora pequena, tinha um papel importante na organização colonial. Sob o ponto de vista de implantação, foi se organizando entre a Cidade Baixa – área portuária e comercial – e Cidade Alta – onde residiam as famílias mais abastadas, e estavam situados os edifícios religiosos e oficiais (Figura 2). Permaneceu com essa configuração até o século XVIII e início do século XIX. Por motivos diversos, no início do século XX, a classe mais favorecida economicamente começou a buscar alternativas de moradia nos bairros mais salubres que começavam a ser conformados: Tambiá e Trincheiras.

Figura 2. O rio, a cidade baixa e a cidade alta. Fonte: Acervo do Laboratório de Pesquisa, Projeto e Memória da UFPB

Na década de 1930, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) reconhecendo o valor histórico e arquitetônico de monumentos existentes na cidade, realizou o tombamento individual desses edifícios, sem, contudo, considerar o espaço urbano onde estavam inseridos.

Só a partir da década de 1970, surgiram as primeiras discussões sobre a importância de conservar e cuidar das áreas de entorno àqueles edifícios de valor histórico. Assim, em 1982, tendo como objetivo manter o registro físico do processo de formação urbana da cidade de João Pessoa, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP) tomou a iniciativa de delimitar e tombar a área mais antiga da cidade, que foi declarada como Centro Histórico.

Essa iniciativa tinha por objetivo minimizar o impacto decorrente do crescimento da cidade, que a partir da década de 1930, com a construção da Avenida Epitácio Pessoa, incentivou a expansão da malha urbana em direção ao mar (Figura 3). As novas práticas socioculturais da época, associadas aos ideais de modernidade e vantagens climáticas de estar próximo do litoral, fizeram com que a população também se deslocasse para a zona da orla, provocando mudanças de uso e esvaziamento de funções nos antigos bairros da urbe. Tais transformações ocasionaram um processo de degradação e descaracterização das edificações localizadas no centro da cidade, processo esse que se intensificou a partir da década de 1980.

Figura 3. Fotografia de 1930 registrando a construção da Avenida Epitácio Pessoa. Fonte: Acervo Humberto Nóbrega

Nesse contexto, o tombamento do Centro Histórico da cidade de João Pessoa, através do Decreto Estadual nº 9.484 de 10 de maio de 1982, surgiu como uma alternativa de proteção e manutenção da parte antiga da cidade (Figura 4). A iniciativa teve como principal propósito conscientizar os moradores da cidade quanto à importância do centro histórico para a preservação da identidade, memória e história de João Pessoa.

Em 1987, mais uma ação preservacionista foi adotada, quando foi instituída a Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, que ficou responsável por implantar o “Projeto de Revitalização do Centro Histórico”, através de um convênio criado entre o Governo do Brasil e a AECI – Agência Espanhola de Cooperação Internacional. Esse projeto incluía a realização de estudos e cadastro, criação de normativas, desenvolvimento de projetos e ações de restauração e revitalização de monumentos do Centro Histórico.

Figura 4. Mapa destacando, com linha bordô, a poligonal de tombamento definida pelo IPHAEP, em 1982, e em linha azul a área de atuação do Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, de 1987. Fonte: IPHAN, 2007

Nos anos iniciais (1988 a 1995), foram priorizados monumentos e espaços urbanos que requeriam resgate emergencial, ocorrendo a reurbanização da Praça Dom Adauto, Praça São Francisco, Praça Antenor Navarro e a restauração do Antigo Hotel Globo, Igreja de São Bento, Teatro Santa Roza, entre outros. No início do século XXI o projeto se estendeu para outros imóveis de valor histórico-cultural, até que encerrou suas atividades.

Muitas dessas obras foram executadas pela Oficina-Escola de Restauração, criada em 1991, visando a formação de jovens de baixa renda e baixa escolaridade, para ingressar no mercado da construção, e mais especificamente da restauração. A escola resultou de um acordo internacional firmado entre o Governo do Brasil, através do Ministério da Cultura/IPHAN, e o Governo da Espanha, através da Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI), integrando também a iniciativa o Governo do Estado da Paraíba e a Prefeitura Municipal de João Pessoa.

Figura 5. Delimitação do Centro Histórico de João Pessoa tombado pelo IPHAEP, após a revisão da poligonal ocorrida em 2004, quando passa a ser constituída pela área de preservação rigorosa (amarelo), cercada pela área de entorno. Fonte: IPHAN, 2007

Considerando o decurso do tempo do tombamento do centro histórico, foi necessário rever a delimitação de sua poligonal, em função de estudos mais recentes desenvolvidos na área. Assim, em 2004, o IPHAEP redefiniu a área tombada e, também, criou os dois novos setores que compõem o Centro Histórico, que são: a área de preservação rigorosa, e a área de entorno, proposta enquanto uma espécie de transição com a porção da cidade que não está regida pela legislação de patrimônio histórico (Figura 5).

Por fim, em 2007, foi aprovado o tombamento do centro histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que redefiniu sua poligonal considerando a malha urbana da cidade remanescente do século XVIII, sendo também contempladas as áreas de conservação rigorosa e de entorno. Tal decisão deveu-se à importância que esta malha urbana tem para a compreensão da adoção de traçados regulados no universo luso-brasileiro do período colonial (Figura 6).

Figura 6. Delimitação do Centro Histórico tombado pelo IPHAN, em 2007. Fonte: IPHAN, 2007

Hoje a área é uma mistura de memória, tradição, pertencimento e identidade, e tem um papel simbólico no imaginário dos cidadãos. Apesar das adversidades, é perceptível a vitalidade do Centro Histórico de João Pessoa, um espaço que reúne atividades e pessoas diversas, as quais se encontram e interagem cotidianamente em lugares como as praças Dom Adauto, Venâncio Neiva e Pedro Américo, mas também buscam lazer em momentos especiais como na Folia de Rua que ocorre anualmente na Praça Vidal de Negreiros, o popular Ponto de Cem Réis (Figura 7), ou no Sabadinho Bom, evento cultural que ocupa semanalmente a Praça Rio Branco.

Figura 7. Sabadinho Bom, programação cultural que ocorre semanalmente na Praça Rio Branco. Fonte: Reprodução / Jornal da Paraíba

Muito além dessas práticas sociais, culturais e econômicas que o distingue de bairros mais recentes, o centro histórico de João Pessoa também é espaço de mobilização e resistência política de povos que lutam pelo seu direito de ocupar a cidade, e de se fazerem presentes nas suas dinâmicas cotidianas, como é o caso da Comunidade Porto do Capim (Figura 8), no bairro do Varadouro, um dos poucos espaços do Centro que apresenta uma função habitacional e comunitária com fortes laços de vizinhança, vínculos afetivos e pertencimento ao lugar.

Figura 8. Indígena da tribo Tabajara protesta contra o despejo da comunidade Porto do Capim, em 2019. Fonte: Reprodução / Brasil de Fato